Senhora



Senhora

Adriano Lima Penha

Cedo a encontra descendo a Rua Manoel, enquanto inicia seu dia, indo à padaria na esquina da mesma rua com a Doutor Sales. Já ela, fazia sua terceira viagem, em idas e vindas: ora para catar papelão, ora garrafa pet, ora latinhas de alumínio. Junta todo esse material, para vender  ao senhor Gustavo, que trabalha com recicláveis e ferro velho. Faz tudo bem depressa, para que no momento exato da abertura do hortifrúti, já esteja com o carrinho estacionado bem de frente, aguardando os funcionários arrumarem os produtos que chegaram na madrugada. O dono do estabelecimento, bom homem, separa tudo que não serve para comercialização por danos estéticos, e doa-os à humilde senhora. Ela, esbanja pura felicidade ao sair com o carrinho cheio de : verduras, legumes e frutas, que garantirão o almoço e janta naquele dia. 
 Avista-a longe, empurrando vagarosamente seu veículo de trabalho, aproximando-se cada vez mais. Como sempre, cabeça baixa, com os queixos quase encostando no peito com demasiada modéstia. Raramente a vê olhando pra frente, somente quando precisa cruzar alguma rua, levanta a cabeça para olhar os dois lados, fora isso, está sempre com o pescoço encurvado, cabisbaixo. Atitude de quem se acha inferior ao restante da população, como se sua presença fosse um incômodo, e que as  pessoas estivessem concedendo o espaço para que ela passe. Compara o cenário, com a sala de estar da casa grande, onde os donos ao encerrarem o chá da tarde servidos com biscoitos à visita, chamam a criada para recolher o tabuleiro com os utensílios, e ela, precisa passar entre a visita e os patrões, timidamente, buscando fazer no menor tempo possível a tarefa. 
 Quando chega mais próximo, mas do outro lado da rua, chama sua atenção. 
-Bom dia! 
-Bom dia, senhor! Responde-o de maneira desconcertada. 
Era esse o pronome utilizado sempre que tentava falar algo com ela, e isso o incomodava. Não se sentia senhor de nada, queria que ela o visse igualmente, como apenas o rapaz que mora na mesma rua que a dela. Pra falar verdade, sentia-se inferior diante de tanta força e coragem daquela mulher. Não conteve o impulso, atravessou a rua, chamando-a novamente, e disse-lha: 
 -Preciso falar algo que está entalado há dias em minha garganta. A senhora é a dona desta avenida, és a única e verdadeira senhora daqui. Quando todos ainda dormem, as rodas de seu velho carrinho, já percorrem esse chão de asfalto irregular. Bem cedo, enquanto a sombra da ausência solar ainda impera, o que se ouve nesta quadra, é o som gerado pelo eixo das rodas sem manutenção de sua carrocinha decrépita, que há tempos não recebem a mínima camada de óleo. Depois, Quando os primeiros raios surgem, convertendo o mundo em dia, a senhora já está na labuta diária com esse peculiar sorriso de simpatia.  
 Sabe, existem heróis anônimos entre nós, esses circulam quase sempre despercebidos para a maioria da população, mas a senhora eu vejo, e reconheço a grande mulher que és. Mesmo com toda dificuldade: seja física pelas pernas cansadas que já não respondem tão prontamente a tantas idas e vindas, ou financeira que passas, o sorriso continua em sua face. 
 És uma mulher cheia de amor, cuja doçura esbofeteia a cara dessa gente hipócrita, e preconceituosa. Chamam-na de irmã, com olhos cheios de piedosa espiritualidade quando vêm ao seu portão convidá-la a ir aos locais de culto que frequentam. Mas, quando sob o sol se encontra, vestida com os andrajos que põe para trabalho, desdobrando-se para de alguma maneira ter o que comer no dia, é você por você apenas. Pessoas por aí, choram por artistas distantes, aplaudem , juram amor. Já os meus aplausos, hoje são pra senhora: Heroína anônima, representação plena do dom de ser mãe, que mostra a essa gente como é ser forte como uma mulher.

Sobre o Autor:
Adriano Lima Penha
Nasceu em 1987 na cidade de Anchieta, sul do Espírito Santo, mas sempre foi residente na cidade de Piúma. Filho mais novo de João Bosco da Penha e Santina Lima Penha, sendo seus irmãos: Alessandra Lima Penha, Anderson Lima Penha e Andressa Lima Penha.
Foi para a cidade do Rio de Janeiro após aprovação na Marinha, onde permaneceu por oito anos trabalhando..
Atualmente cursa a faculdade de Letras, é casado e reside em Nova Iguaçu.

Comentários

  1. Seria um sonho se todos, por algum instante, pudessem/conseguissem praticar o dom da empatia... Certamente o meu do seria melhor. A miséria humana ainda é grande em todos os aspectos. Vivemos a utopia de dias melhores. Excelente texto!

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    1. E essa miséria humana é muita mais nociva que sua versão denotativa,pois é ela que origina todas as outras. O homem é o câncer de sua própria sociedade, e se automutila por seus atos ambiciosos.

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