Sombras na Vitrine


Sombras na Vitrine
Edih Longo

Ficou horas namorando a camisa
cairia como uma luva em Gilmar
chegou mais perto e viu que era de fibra e bem lisa
─ tão fácil de passar!
Foi olhar outra vitrine
talvez algo mais em conta.
Nada que a anime
pois são tantas, que ficou até tonta.
Apertou a bolsa sob o braço
[só faltava roubarem seu décimo terceiro]
olhou mais camisas e apressou o passo
pra camisa não tinha mesmo dinheiro.
Talvez um sapato ou outra roupa
quem sabe um vestido pra Neusinha
a respiração estava até pouca
tal qual sua vida mesquinha.
Voltou à primeira camisa.
─ Quer alguma coisa, dona? Falou o moço meio cético.
─ Estava só olhando. Respondeu abaixando a vista.
[Costumeira desculpa de quem não tem cartão de crédito]
Aproveitou e olhou na vitrine o seu reflexo
analisou seu volume e conteúdo
uma sombra a mais ─ um ser desconexo ─
como tantos que dormem sob viadutos.
Pensou conformada que afinal,
quem sabe no próximo Natal?
Pobres humanos,
podres carnes envoltos em panos!
Afastou-se de si mesma pensando baixo uma oração.
Como um exemplo que a ninguém se ensine,
foi embora e nem viu sua sombra na vitrine
chorando de compaixão.
A outra refletida ainda esboçou um conforto
e parecia mais humana do que ela.
Só quando uma lágrima açoitou o seu rosto
é que se deu conta que nem aquela sombra era dela.
O moço da cara séria a observava
do outro lado de sua realidade
não praguejou, mas chorava
abraçando-se com a sua dura verdade:
─ Gilmar, Neusinha, não posso dar um presente,
só posso dar a dor que o meu coração sente.

Sobre a Autora:
Edih Longo - Professora de Linguística e Língua Portuguesa, formada pela USP. Aposentada, atualmente, dedica-se a escrever e a atuar, pois também tem formação teatral. Já ganhou alguns prêmios na área literária como contista, cronista, dramaturga, romancista e poeta.
E-mail para Contato:edillongo@yahoo.com.br

Comentários