Caixa Postal




"Alô? Querido? Ah, não vai atender? Vou deixar mensagem então! Sabe aquela promoção do trabalho? Eu consegui! Chego em casa daqui a pouco pra gente comemorar, só parei no supermercado para comprar alguma coisa para beber. Quero muito falar com você. Daqui a pouco eu chego em casa. Beijo! Te amo!"
*
A cada segundo a chuva se torna mais forte. Debaixo desse guarda-chuva eu me retraio, escondendo das gotas que fogem da lona e tentam me atingir, embora não sinta em mim capacidade de me importar com aquelas poucas que me acertam, assim como não consigo me importar com qualquer das outras que caem. Enfurnado nesse terno surrado, sufocado nessa velha gravata, mantenho meu corpo nessa postura de pedra. A única coisa que se move são meus lábios que, trêmulos, repetem palavras mudas do recado dela. Meu rosto, vermelho e inchado, mantêm-se voltado para a mesma pedra há horas.
"Daqui a pouco eu chego em casa." A inocência em sua voz me fere. A tristeza me machuca, pois você não fazia ideia que aquela mensagem se tornaria a minha última oportunidade de ouvir uma palavra sua, viraria o último pedaço vivo seu. Mergulhado em amargor dou um passo à frente, deixando o pé enterrar na lama para me aproximar da pedra. Com a alma apertada encaro o nome cravado nela, sinto meu olhar embaçado e lembro do seu rosto. Com a pulsação na garganta lembro das suas manias, seus tiques, suas neuras. Por um instante eu sorrio, sinto o acolhimento desse abraço quente das memórias, que te traz de volta para mim, como se nunca tivesse partido. E, por um segundo, esqueço onde estou e me permito sentir felicidade. Em pequena intensidade. Por pouco tempo.
Depois que ela passa, começo a balançar a cabeça em negativa. Primeiro devagar, depois progredindo para um movimento compulsivo. Uma lágrima brota do meu olho e inicia seu percurso em meu rosto.
"Ah, não vai atender?"
Eu queria, eu queria, eu queria! É o que eu mais queria nesse mundo! Uma oportunidade de voltar no tempo, te atrasar nem que seja um pouco, apenas o suficiente para te tirar da pista molhada, do lado daquele caminhão.
"Quero muito falar com você."
Aperto o peito, sentindo a dor dominar. Em segundos ela se torna insuportável e inafastável. Ela me bate com força absoluta. Me doma e desmonta, me joga de joelhos em frente à sua lápide. O guarda-chuva escapa da minha mão para que ambas se agarrem à grama à minha volta. Volto meu rosto para o céu, sinto as gotas da chuva e berro. O mais alto que posso. Te quero de volta. Quero, com todas as minhas forças, falar com você.
Quando já não tenho forças para berrar, olho para sua lápide, num gesto de desistência. Amaldiçoo o instante que você desligou o celular e entrou no carro para voltar para casa. Não quero mais pensar em como te livrar do acidente, pois não é possível concretizar qualquer hipótese. O concreto sou eu, aqui, ajoelhado em frente à lápide do seu túmulo.

A lágrima desprende do meu rosto e se mistura aos pingos da chuva. Se perde n'água como a minha mente se perde na loucura.

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